sábado, 22 de fevereiro de 2014

Pedagogia Espírita









Prefácio de Luiz Antonio Fuchs

  Esta obra, segundo seu prefaciador, foi constituída com os textos mais significativos produzidos por Herculano Pires para o periódico “Educação Espírita”, que ele dirigiu no período de 1970 a 1974. (Pág.  XII)







O mistério do ser

  A educação depende do conhecimento menor ou maior que o educador possua de si mesmo. Conhecer-se a si mesmo é o primeiro passo do conhecimento do ser humano. Como as diferenças temperamentais, culturais, raciais, de tipologia psicológica, de nacionalidade, cor ou tamanho são apenas acidentais, a educação é universal e seus objetivos são os mesmos em todas as épocas e em todas as latitudes da Terra. (Pág. 1)

  Essa padronização, que deveria simplificar a educação, na verdade a complica, porque existem as diferenciações individuais e grupais por baixo do aspecto padronizador. Cada indivíduo é único, diferente dos demais, mesmo nos grupos afins. O mistério do ser, que aturde os educadores, chama-se personalidade. (Pág. 1)

  Educar é decifrar o enigma do ser em geral e de cada ser em particular, de cada educando. René Hubert, pedagogo francês contemporâneo, define a educação como um ato de amor, pelo qual uma consciência formada procura elevar ao seu nível uma consciência em formação.

Nesse sentido, o verdadeiro educador é o que pratica a Religião verdadeira do amor ao próximo. O ato de educar é essencialmente religioso. Não é apenas um ato de amor individual, do mestre para o discípulo, mas também um ato de integração e salvação.

A Educação não procura integrar o ser em desenvolvimento numa dada situação social ou cultural, mas na condição humana, salvando-o dos condicionamentos animais da espécie, elevando-o ao plano superior do espírito. (Págs. 1 e 2)



Pela educação integral

  A Educação Espírita não surge como uma elaboração artificial em nosso tempo, como uma novidade a mais desta fase de transição.

Toda forma de cultura exige meios de transmissão. O meio básico de transmissão cultural é a educação. Era inevitável, pois, com o advento do Espiritismo, o aparecimento da Educação Espírita, que foi se delineando aos poucos, à maneira da Educação Cristã: primeiro no lar, depois nas instituições em forma de catecismo e por fim na criação das primeiras escolas. (Págs. 5 e 6)

  A Educação Espírita objetiva sobretudo uma forma de Educação Integral e Contínua, abrangendo ao mesmo tempo todo o complexo da personalidade do educando e todas as faixas etárias em que ela se projeta.

Ligada historicamente à linha rousseauniana da Educação Moderna, através de Pestalozzi, de quem Kardec foi discípulo e continuador, a Educação Espírita se entrosa naturalmente nas aspirações e nos objetivos da Pedagogia contemporânea. [Pág. 8]




 


E a quem melhor despertar, senão às crianças?


  Os evangelhos de Jesus constituem uma síntese das conquistas espirituais da Humanidade em toda a sua evolução, até o momento histórico do advento do monoteísmo como uma realidade social.

Ora, negar às crianças o direito à educação cristã, através da evangelização, seria sonegar-lhes o quinhão que lhes cabe na herança cultural. Sem o processo da educação, o ato de amor de Kerchensteiner e Hubert, não despertaremos para a nova orientação que devemos seguir na nova encarnação, na nova experiência existencial. Sem o impacto da educação, a cultura do passado não renascerá em nós em seu novo desenvolvimento. (Págs. 11 e 12)

  As pesquisas sobre a educação primitiva mostram que mesmo nas tribos selvagens a iniciação nos costumes, nos rituais, nas crenças e nas tradições da nação se processa com regularidade, dentro de uma sistemática apropriada, porque o direito de escolha, de opção, no exercício do livre-arbítrio individual, pressupõe inevitavelmente o direito de aquisição dos elementos necessários ao julgamento. A educação não é um ato de imposição, de violação de consciência, mas um ato de doação. (Págs. 12 e 13)

  O educador oferece ao educando os elementos de que ele necessita para integrar-se no meio cultural e poder experimentar por si mesmo os valores vigentes, rejeitando-os, aceitando-os ou reformulando-os, quando amadurecer. (Pág. 13)







Condições da criança


10   As condições de aprendizado da criança variam numa escala progressiva, segundo o seu desenvolvimento psicossomático. Determinar uma idade-limite em que essas fases se sucedem é temerário. As escalas ontogenéticas são bastante flexíveis, mas no campo específico da psicogenética verifica-se uma continuidade entre a percepção e o desenvolvimento da representação. (Pág. 13)

11   No tocante ao desenvolvimento da linguagem, diz René Hubert, ela acompanha o desenvolvimento da inteligência. A inteligência infantil se manifesta progressivamente, passando da fase sensório-motora para a fase prática, desta para a representativa e desta para a abstrata. Mas está sempre atuante no desenvolvimento orgânico e psíquico. (Pág. 13)

12   Enfrentando o problema na posição materialista, podemos negar à criança a capacidade de compreensão de certos princípios abstratos, mas, enfrentando-o numa posição espírita, teremos de admitir suas possibilidades latentes. (Pág. 13)

13   É preciso, porém, lembrar que a evangelização da infância não é nem pode ser feita em termos de pura abstração, o que seria um ilogismo. Daí o apelo muito justo e pedagógico às historietas figuradas. (Pág. 14)

14   Trata-se de uma técnica audiovisual de inegável eficiência e seu objetivo não é a transmissão dos princípios doutrinários, mas o despertar da criança para a compreensão de realidades que ela já traz no inconsciente, na memória profunda que guarda as vivências do passado. (Pág. 14)

15   A função da historieta é a mesma da maiêutica de Sócrates e lembra o acordar da reminiscência platônica na mente do Espírito encarnado. (Pág. 14)

16   Essa função corresponde precisamente ao objetivo real da educação, que não é transmitir ensinamentos, mas predispor a mente a recebê-los através da instrução e assimilá-los na formação cultural.

Por isso, a evangelização da criança não pode ser encarada como ato de imposição ou de violência. Nenhuma aula de evangelização espírita impõe dogmas de fé nem pretende realizar a internalização dos princípios espíritas. Sua finalidade é o contrário: despertar na criança as suas forças interiores e fazê-las aflorar no plano da consciência.

O que se pode é enriquecer essas aulas com as contribuições do Método Montessori, criando um ambiente estimulante e juntando às historietas outros elementos sensoriais, de acordo com as faixas etárias dos alunos. Os trabalhos de Maria Montessori e sua teoria educacional correspondem em grande parte às aspirações e objetivos da evangelização espírita das crianças. (Pág. 14)







Educação no lar

17   Após defender a tese de que não podemos restringir essa tarefa apenas ao âmbito familial, Herculano adverte que a preocupação dos cursos de evangelização da infância, no meio espírita, não é nem pode ser a da transmissão de princípios, mas apenas a de preparação do espírito infantil para o bom aproveitamento da sua atual encarnação.

A orientação moral não é uma preparação filosófica, mas um processo de integração das novas gerações em determinado sistema de vida, a fim de que possam beneficiar-se com as experiências e conquistas das gerações anteriores. (Págs. 15  e 16)

18   A educação espírita começa no lar. Nas famílias espíritas é dever dos pais iniciar os filhos nos princípios doutrinários desde cedo. A falta de compreensão da doutrina faz que certas pessoas pensem que as crianças não devem preocupar-se com o assunto.

Tais pessoas se esquecem de que seus filhos necessitam de orientação espiritual e que essa orientação será tanto mais eficiente quanto mais cedo lhes for dada. É preciso não esquecer que as crianças são espíritos reencarnados, espíritos adultos que se vestem “com a roupagem da inocência” para iniciarem uma vida nova. (Págs. 16 e 17)

19   Ensinar às crianças o princípio da reencarnação, da lei de causa e efeito, da presença do anjo guardião em suas vidas, da comunicabilidade dos Espíritos e assim por diante, é um dever inalienável dos pais.

As crianças já trazem consigo o germe desses conhecimentos e estão mais próximas do mundo espiritual que os adultos. O maior patrimônio que os pais podem legar aos filhos é o conhecimento de uma doutrina que vai garantir-lhes a tranqüilidade e a orientação certa no futuro. (Pág. 17)

20   A melhor maneira de desenvolver a educação espírita no lar é organizar festinhas domingueiras com prece, recitativos infantis de tema evangélico, explicação de parábolas, canções espíritas e brincadeiras criativas que ajudem a despertar a criatividade das crianças. Essas festinhas preparam o espírito da criança para as aulas no Centro e na escola. (Pág. 18)

21   Esconder às crianças de hoje a verdade espírita é cometer um verdadeiro crime contra o seu progresso espiritual e a sua integração na cultura espírita do novo mundo que está nascendo. A educação no lar é a base de todo o processo posterior de educação escolar e de educação social que os jovens irão enfrentar na vida. (Pág.18)






Educação e regeneração

22  Espiritismo é educação. Educação individual e educação em massa. Contudo, há os que querem reduzir a Educação Espírita ao campo do autodidatismo. Só entendem a educação individual pela doutrina.

Cumprindo um dos seus objetivos, o Espiritismo de massas exige educação massiva, porque a missão do Espiritismo não é esclarecer alguns indivíduos em meio às multidões, mas esclarecer as multidões, alargar o conhecimento humano, colocar os homens diante da realidade integral da vida, para regenerá-los. (Pág. 19)

23  Segundo vemos em “O Livro dos Espíritos”, é pela educação que o mundo poderá regenerar-se. A Educação Cristã substituiu a Educação Pagã e modificou a Terra. A Educação Espírita renovará a Educação Cristã e, com ela, o Mundo. (Pág. 20)

24  Educação Espírita é o processo de orientação das novas gerações de acordo com a visão nova que o Espiritismo nos oferece da realidade. Mas, a Educação Espírita não é um processo de coação, de imposição das idéias espíritas, mesmo porque um dos princípios fundamentais do Espiritismo é o da liberdade de consciência. O Espiritismo não é uma forma de dominação de consciência, mas de libertação. (Pág. 20)

25  Assim, a Educação Espírita, tal como a Cristã, apresenta-nos dois aspectos correspondentes às exigências atuais. De um lado, deve ser um sistema educacional aplicável ao meio espírita.

De outro, uma influência educacional remodelando os postulados pedagógicos no sentido geral. Não podemos pretender que todas as nações se tornem espíritas, o que seria uma utopia e um contra-senso; por isso não tenhamos a ilusão de que a Educação Espírita absorverá e englobará numa só todas as formas pedagógicas existentes. Essa intenção seria contrária à concepção espírita.(Págs. 20 e 21)








As dimensões da educação

26   A educação só se tornou problemática nos momentos em que se desligou da religião. Enquanto as religiões incorporaram em suas estruturas gerais o conceito de educação como salvação e a prática educativa como catequese, não havia problema.

Quando, porém, o pensamento crítico se desenvolveu, a ponto de atingir a própria substância da fé, retirando ao homem a base de suas certezas tradicionais, surgiu a problemática da educação. (Pág. 25)

27   A reincorporação da educação à estrutura religiosa, verificada na Idade Média, não representou um retrocesso, porque se realizou num plano de enriquecimento conceptual, ou seja, embora dominada pela concepção religiosa, a educação medieval já se processava numa perspectiva racional, fruto de um lento processo de caldeamento em novas possibilidades. (Pág. 26)

28   Na medida em que vão surgindo, nas linhas sucessivas desse processo, as dimensões espirituais do homem, a educação naturalmente se desenvolve em perspectivas dimensionais. (Pág. 26)

29   Encarar a educação num plano de desenvolvimento progressivo, não apenas histórico, permite-nos uma melhor compreensão do problema educacional.

Da educação primitiva – como simples forma de integração – passamos às formas religiosas e cívicas, como processos de domesticação, para atingirmos os conceitos clássico e moderno de formação cultural, em que as condições de imanência social são finalmente rompidas pelo impulso de transcendência espiritual. (Págs. 26 e 27)

30   Se pudermos encarar a educação como um processo de desenvolvimento dimensional da cultura, não como substituição de fases históricas condicionadas pelo tempo, mas de um processo que se serve do tempo, estaremos mais próximos de uma visão global do problema. (Pág. 27)

 







As dimensões do homem

31   As dimensões da educação decorrem das dimensões do homem. Se o homem pode ser encarado, tanto espiritual como socialmente, numa perspectiva de sucessões dimensionais, então o processo educativo também será suscetível dessa visualização. (Pág. 27)

32   A tese de Jean Paul Sartre, em seu conhecido ensaio de ontologia fenomenológica, pode ser assim resumida: antes de mais nada, o corpo existe, e este existir é sua primeira dimensão; depois o corpo entra em relação com os outros, e nesta relação surge a sua segunda dimensão; por fim, no conhecimento do corpo pelos outros tem ele a sua terceira dimensão. (Pág. 28)

33   Essa dialética das dimensões adquire em Denis de Rougemont maior densidade ontológica, porque passa do plano da fenomenologia para o da metafísica, embora se apresente numa perspectiva fideísta. A transcendência do ser, que é a sua terceira dimensão, equivale a um duplo processo de relações: no plano social como amor do próximo e no metafísico como amor de Deus. (Págs. 28 e 29)

34   Essas dimensões se tornam, porém, ainda mais claras num enfoque histórico-cultural:

A primeira dimensão é a do horizonte tribal, que o autor define servindo-se da teoria do corpo mágico ou corpo-sagrado do ensaísta austríaco Rudolf Kessner, em que o homem primitivo aparece como simples parcela de um todo fechado em si mesmo;

A  segunda dimensão é a do horizonte civilizado, em que surge o indivíduo urbano que se torna cidadão; a terceira dimensão é a do transcendente, em que o homem se torna cristão, integrando-se nos princípios espirituais da civilização. (Pág. 29)

35   É o seguinte o esquema apresentado pelo próprio Denis de Rougemont: “Se o homem do clã, da tribo ou da casta só tinha uma dimensão real: sua relação com o corpo sagrado; se a segunda dimensão, inventada pelos gregos, é a que reúne o indivíduo e seu modo de relações, a cidade; São Paulo definiu a terceira dimensão.

A relação dialética com o transcendente, religando o indivíduo como vocação divina à comunidade, como amor do próximo. Esse homem, melhor liberado que o indivíduo grego, melhor entrosado que o cidadão romano, mais livre pela fé mesma que o entrosa, é o arquétipo do Ocidente que nasce, é a pessoa. (Págs. 29 e 30)




Educação e Filosofia

36   Foi René Hubert quem, ao publicar o seu Tratado de Pedagogia Geral, na França, procurou lançar as bases realmente filosóficas de uma Filosofia da Educação.

No prefácio de seu livro, Hubert reproduz a crítica que Paul Desjardins havia feito aos reformadores da educação, aos formuladores da escola pensada à francesa. O centro, de que tudo parte e que não foi assinalado com suficiente ênfase em nenhum lugar, diz Hubert, é o homem: “a escola pensada à francesa é a que se dedica a ensinar e fazer nascer o Homem”. (Pág. 32)

37   A Filosofia da Educação abrange todo o contexto de ações e reações objetivas e subjetivas que vai do ser como ser ao social como social e como cultura. Investigar as possibilidades metodológicas da teoria das dimensões humanas parece-nos, pois, tarefa das mais promissoras. (Págs. 33 e 34)

38   Superar a situação conflitiva do presente para encontrar um plano de unidade equivalerá a reconstruir a homogeneidade religiosa, porque, segundo Hubert, o destino do homem “consiste em ser espírito”, e o fim da educação, segundo Kerchensteiner, é “a criação de um ser espiritual”. (Pág. 35)





Educação e religião

39   O aparecimento e o desenvolvimento da escola leiga, do laicismo pedagógico, têm sua fonte em três grandes equívocos que felizmente estão agora em fase de extinção:

  1º-) O equívoco do Materialismo, que na verdade só apareceu de maneira clara e definida na época moderna. Foi o desenvolvimento das Ciências que permitiu uma fundamentação positiva para o Materialismo e conseqüentemente a sua formulação filosófica.

Desde então surgiu o conflito Ciência versus Religião. Os homens cultos e os espíritos fortes opuseram-se ao ensino da Religião nas escolas por considerá-lo determinante de retrocessos culturais. O laicismo tinha por finalidade garantir uma educação liberta de superstições e preconceitos que as religiões semeavam e estimulavam nos educandos.

  2º-) O equívoco do Espiritualismo, que, partindo de premissas certas, desenvolveu-se em várias formas de falsos silogismos, chegando a conclusões erradas na elaboração de suas teologias, teogonias e dogmáticas.

  3º-) O equívoco da Filosofia, que, através da Gnosiologia, da Teoria do Conhecimento, acabou referendando os dois equívocos acima, particularmente a partir do criticismo kantiano, que delimitou o campo do conhecimento possível, relegando para o impossível, portanto fora do alcance científico, os problemas espirituais.

A separação entre Ciência e Religião foi então oficializada no plano cultural. Se o homem só podia conhecer através da Ciência pelo uso da Razão, não havia motivo algum que justificasse nas escolas a disciplina religiosa. A escola se tornava instrumento da Ciência. A Religião devia, pois, restringir-se ao âmbito familial e ser ministrada nas igrejas. (Págs. 36 e 37)

40   Hoje em dia a situação está mudada. O Materialismo perdeu seus elementos de sustentação no campo da Razão e uma das causas foi a descoberta de que a matéria é simples condensação de energia. O Espiritualismo modificou-se e continua a modificar-se profundamente, e o fanatismo obscurantista não tem mais nenhuma possibilidade de manter o seu domínio nos povos.

A Filosofia, por sua vez, está francamente de volta às suas raízes espiritualistas. A situação atual revela-se, assim, favorável à solução do impasse educacional criado pelo fanatismo religioso, pois, científica e filosoficamente, já se reconhece que a Religião é uma das províncias principais do conhecimento. (Págs. 38 e 39)







Religião nas escolas

41   Ao lado de todos esses eventos devemos assinalar o desenvolvimento das pesquisas e dos estudos sobre a Religião no meio universitário. Há um conceito novo de fé. Tudo isso facilita a compreensão de que não podemos ter Educação sem Religião e de que o sonho da Educação laica não passou de resposta aos grandes equívocos do passado já referidos. (Pág. 40)

42   Reconhecendo que a Religião corresponde a uma exigência natural da condição humana e a uma exigência da consciência humana, e que pertence de maneira irrevogável ao campo do Conhecimento, devemos reconduzi-la à escola, desprovida porém da roupagem imprópria do sectarismo. Temos de introduzir nos currículos escolares, em todos os graus de ensino, a disciplina Religião ao lado da Ciência e da Filosofia. (Pág. 41)

43   A Educação proposta por René Hubert tem por fundamento a Filosofia do Espírito. Nessa proposta a Religião comparece, não como um ensino dogmático e sectário, mas como resposta às exigências conscienciais do homem, esclarecendo-lhe os problemas da existência de Deus, da natureza espiritual das criaturas e da sua destinação transcendente.

Não é o padre, nem o pastor, nem o rabi, nem a catequista que vão dirigir a cadeira, mas o professor especializado no assunto, tratando dos problemas religiosos como se trata dos filosóficos e científicos. (Págs. 41 e 42)

44   De posse dos dados fornecidos pela disciplina escolar, o educando decidirá por si mesmo o setor religioso em que se localizará, se for o caso, mas poderá também apoiar-se nesses dados para o desenvolvimento de sua própria religião, pois, como demonstrou Bergson, existe a religião dinâmica individual que não se cristaliza em estruturas sociais.  (Pág. 42)

45   A Educação, dessa maneira, não seria parcial, voltada apenas para os problemas imediatos da vida, mas forneceria elementos racionais para a formação espiritual do educando.

Ela não seria religiosa no sentido estreito do sectarismo hoje dominante, visto que, às portas de uma civilização espiritualista, não podemos continuar educando as crianças e os jovens nos moldes obsoletos do passado. Educação sem religião é atualmente absurda, como absurda é a educação materialista que continuamos a aplicar. (Pág. 43)










Nascimento da educação cristã

46   A prática judaica e a teoria cristã deram nascimento a um novo tipo de educação, correspondente às aspirações da nova era que brotava dos ensinos de Jesus.

Mais tarde, como sempre acontece em Educação, teria de surgir a Pedagogia Cristã, que se dividiria em vários sistemas pedagógicos. Diz Lorenzo Luzuriaga, na sua História da Educação e da Pedagogia, que a Educação Cristã se realizou, nos primeiros tempos, direta e pessoalmente. Era então uma educação sem escolas. (Págs. 45 e 46)

47   Henri Marrou informa que a expressão educação cristã é encontrada nos escritos de São Clemente de Roma, lá pelo ano 96. São Paulo, antes dele, já se preocupara em aconselhar os pais sobre a maneira de educar os filhos.

Foi, porém, por volta de 179 que o filósofo grego Pantenus, convertido ao Cristianismo, fundou em Alexandria a primeira escola de catequistas. Os didáscalos, catequizadores sem preparo, iam ser substituídos por professores formados em curso especial. (Págs.46 e 47)
























A pedagogia cristã

48   A Pedagogia propriamente dita só aparece depois do desenvolvimento da Educação, porque a Pedagogia é o estudo, a pesquisa, a reflexão sobre o processo educacional.

Cada sistema educacional que surge e se desenvolve sob a pressão das necessidades culturais, vale-se inicialmente de uma orientação pedagógica estranha, até que crie sua própria Pedagogia. Cada nova Educação não é a negação da anterior, mas o seu desenvolvimento. (Pág. 47)

49   O Cristianismo apresenta-se, ainda hoje, sobrecarregado de heranças pagãs e judaicas, e essas heranças pesaram também no desenvolvimento da Educação Cristã. Mas, na era patrística, entre os séculos III e IV, elas vão servir para a elaboração da Pedagogia Cristã.

Clemente de Alexandria, autor de O Pedagogo, primeiro tratado pedagógico do Cristianismo, era formado em Filosofia grega. Seu discípulo e continuador, Orígenes, autor da Suma Teológica Metafísica, teve a mesma origem cultural e considerava a Filosofia como o preâmbulo da Religião. (Págs. 47 e 48)

50   Com São Bento a Educação Cristã começa a abrir suas portas para o mundo, saindo do recinto fechado dos mosteiros para aceitar alunos externos.

Mas é com Agostinho, autor de A Cidade de Deus, que a herança platônica se acentua vigorosamente na Pedagogia Cristã, ao mesmo tempo em que os elementos fundamentais da Pedagogia Pagã são adaptados à Escola Cristã e nela integrados: as artes liberais, a retórica, a eloquência e a  cultura física. (Pág. 48)

51   O episódio ocorrido no ano 362 com Juliano, o imperador apóstata que proibiu os professores cristãos de lecionar nas escolas imperiais, é sintomático. Juliano tinha razão.

Como podiam os professores cristãos ensinar na escola pagã sem trair seus princípios, sua fé e, ao mesmo tempo, sem trair o paganismo? E como poderiam os alunos cristãos aceitar o ensino pagão sem renunciar à sua própria formação cristã iniciada no lar?

Estamos hoje, como os cristãos do século IV, perante um dilema semelhante e é por isso, evidentemente, que assistimos ao nascimento da Educação Espírita. (Págs. 48 e 49)

 

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