domingo, 4 de maio de 2014

ALMA, PRINCÍPIO VITAL E FLUIDO VITAL


ALMA, PRINCÍPIO VITAL E FLUIDO VITAL

"(...) A divergência de opiniões sobre a natureza da alma provém da aplicação particular que cada qual faz desse vocábulo. Uma língua perfeita, em que cada idéia tivesse a sua representação por um termo próprio, evitaria muitas discussões; com uma palavra para cada coisa todos se entenderiam.

Segundo uns, a alma é o princípio da vida orgânica material; não tem existência própria e se extingue com a vida: é o puro materialismo. Neste sentido e por comparação dizem de um instrumento quebrado, que não produz mais som, que ele não tem alma. De acordo com esta opinião a alma seria um efeito e não uma causa.

Outros pensam que a alma é o princípio da inteligência, agente universal de que cada ser absorve uma porção. Segundo estes, não haveria em todo o Universo senão uma única alma, distribuindo fagulhas para os diversos seres inteligentes durante a vida; após a morte cada fagulha volta à fonte comum, confundindo-se no todo, como os
córregos e os rios retornam ao mar de onde saíram. Esta opinião difere da precedente em que, segundo esta hipótese, existe em n6s algo mais do que a matéria, restando qualquer coisa após a morte; mas é quase como se nada restasse, pois não subsistindo a individualidade não teríamos mais consciência de n6s mesmos. De acordo com esta
opinião, a alma universal seria Deus e cada ser uma porção da Divindade; é esta uma variedade do Panteísmo.

Segundo outros, enfim, a alma é um ser moral, distinto, independente da matéria e que conserva a sua individualidade após a morte. Esta concepção é incontestavelmente a mais comum, porque sob um nome ou outro a idéia desse ser que sobrevive ao corpo se encontra em estado de crença instintiva, e independente de qualquer ensinança, entre
todos os povos, qualquer que seja o seu grau de civilização. Essa doutrina, para a qual a alma é causa e não efeito, é a dos espiritualistas.

Sem discutir o mérito dessas opiniões, e não considerando senão o lado lingüístico da questão, diremos que essas três aplicações da palavra alma constituem três idéias distintas, que reclamariam. cada uma, um termo diferente. Essa palavra tem, portanto, significação tríplice, e cada qual está com a razão, segundo o seu ponto de vista,ao lhe dar
uma definição; a falha se encontra na língua, que não dispõe de mais de uma palavra para três idéias.

Para evitar confusões, seria necessário restringir a acepção da palavra alma a uma de suas idéias. Escolher esta ou aquela é indiferente, simples questão de prevenção, e o que importa é esclarecer. Pensamos que o mais lógico
é tomá-la na sua significação mais vulgar, e por isso chamamos alma ao ser imaterial e individual que existe em nós e sobrevive ao corpo.

Ainda que este ser não existisse e não fosse mais que um produto da imaginação, seria necessário um termo para designá-lo.Na falta de uma palavra especial para cada uma das duas outras idéias, chamaremos:

Princípio vital, o princípio da vida material e orgânica, seja qual for a sua fonte, que é comum a todos os seres vivos, desde as plantas ao homem. A vida podendo existir sem a faculdade de pensar, o princípio vital é coisa distinta e
independente. A palavra vitalidade não daria a mesma idéia. Para uns, o princípio vital é uma propriedade da matéria, um efeito que se produz quando a matéria se encontra em dadas circunstâncias; segundo outros, e essa idéia é mais comum, ele se encontra num fluido especial, universalmente espalhado, do qual cada ser absorve e assimila uma parte durante a vida, como vemos os corpos inertes absorverem a luz. 

Este seria então o fluido vital, que segundo certas opiniões, não seria outra coisa senão o fluido elétrico animalizado, também designado por fluido magnéticofluido nervoso, etc.

Seja como for, há um fato incontestável, – pois resulta da observação, – e é que os seres orgânicos possuem uma força íntima que produz o fenômeno da vida, enquanto essa força existe; que a vida material é comum a todos os seres
orgânicos, e que ela independe da inteligência e do pensamento; que a inteligência e o pensamento são faculdades próprias de certas espécies orgânicas; enfim, que entre as espécies orgânicas dotadas de inteligência e pensamento, há
uma, dotada de um senso moral especial, que lhe dá incontestável superioridade perante as outras, e que é a espécie humana.

Compreende-se que, com uma significação múltipla, a alma não exclui o materialismo, nem o panteísmo. Mesmo o espiritualista pode muito bem entender a alma segundo uma ou outra das duas primeiras definições, sem prejuízo do ser imaterial distinto, ao qual dará qualquer outro nome. Assim, essa palavra não representa uma opinião: é um Proteu, que cada qual ajeita a seu modo, o que dá origem a tantas disputas intermináveis.

Evitaríamos igualmente a confusão, mesmo empregando a palavra alma nos três casos, desde que lhe ajuntássemos um qualificativo para especificar a maneira pela qual a encaramos, ou a aplicação que lhe damos, Ela seria então um termo genérico, representando ao mesmo tempo o princípio da vida material, da inteligência e do senso moral, que se distinguiriam pelo atributo, como o gás, por exemplo, que se distingue ajuntando-se-lhe as palavras hidrogênio, oxigênio e azoto, Poderíamos dizer, e talvez fosse o melhor, a alma vital, para designar o princípio da vida material, a alma intelectual, para o princípio da inteligência, e a alma espírita, para a princípio da nossa individualidade após a morte. 

Como se vê, tudo isto é questão de palavras, mas questão muito importante para nos entendermos. Dessa maneira, a alma vital seria comum a todos os seres orgânicos: plantas, animais e homens; a alma intelectual seria própria dos animais e dos homens, e a alma espírita pertenceria somente ao homem.(...)"

in Livro dos Espíritos, Allan Kardec

Nenhum comentário:

Postar um comentário