quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

ESTAVA ESCRITO


ESTAVA ESCRITO
(José Carlos Leal)

Permitam-me que eu abra este capítulo contando um velho mito grego: o Mito de Édipo que serviu de tema a uma bela peça de Sófocles intitulada Édipo-Rei. Vamos, porém, ao mito.
Laio, o rei de Thebas, era casado com Jocasta. O rei vivia muito angustiado porque a rainha não tinha filhos e elejulgava necessário um herdeiro que lhe sucedesse no trono. Na sua aflição, Laio decidiu consultar o oráculo de Apoio para saber se a esterilidade do casal duraria para sempre.
Em uma certa manhã, Laio e Jocasta foram ao santuário, bastante ansiosos, e o rei interrogou a Pythia (sacerdotisa de Apoio nos oráculos). Após um longo silêncio, o deus falou através de sua médium: "Laio, terás o filho que desejas, porém, melhor seria que não o tivesses porque ele matará o pai e se casará com a própria mãe."
O casal, como seria de esperar, deixou o santuário desesperado com aquilo que o destino lhes havia reservado. Pouco tempo depois, Jocasta ficou grávida e deu à luz um menino. Laio, querendo driblar o destino, chamou um pastor de sua confiança e lhe deu ordens para que matasse a criança. 
O homem pegou o príncipe recém-nascido das mãos do próprio rei e o levou a Monte Citeron, lugar inóspito habitado por animais selvagens. Ali ele amarrou o menino pelos pés no galho de uma pequena árvore, crendo que seu choro atrairia as feras ou mesmo que ele viesse a morrer pelo incômodo da posição em que havia sido colocado. Feito isto, partiu para dar ciência ao soberano de que a sua missão estava cumprida.
Mal, porém, o homem de Laio se afastara , passou por ali um cidadão, da vizinha cidade de Corinto, que, vendo a criança chorando, apiedou-se dela e, libertando-a levou-a consigo. Em Corinto, conforme o costume local, ele teve que apresentar a criança ao rei que, não tendo filhos, tomou-a para si e a criou como se fosse um príncipe real. Como os pés da criança se mostrassem deformados, por causa da corda que os havia amarrado, o monarca deu-lhe o nome de Édipo que significa pés inchados.
Édipo cresceu desconhecendo por completo a própria identidade. Um dia, durante um banquete, houve uma desavença entre Edipo e um dos convidados. Em um certo momento 
mais duro da discussão, o nobre coríntio falou irritado ao príncipe:
"Melhor farias, Edipo, se fosses descobrir a tua própria origem." Houve na sala um silêncio constrangedor, que logo foi contornado, e o banquete prosseguiu normalmente, 
entretanto, o homem, sem o querer, havia plantado no coração de Édipo o espinho da dúvida. Assim, no dia seguinte, Édipo decidiu que iria resolver o seu problema. 
Com esse intuito, deixou a sua casa em Corinto e foi consultar um oráculo, o mesmo em que seu pai e sua mãe verdadeiros - Laio e Jocasta - haviam ido anos antes de seu nascimento. Logo depois que iniciou a sua sessão com a Pythia, o deus se manifestou, irado, dizendo: "Fora daqui, parricida e incestuoso!" Édipo sai do santuário cambaleante. Do lado de fora, procurando manter o sangue frio, interpretou as palavras do oráculo como uma profecia segundo a qual mataria Políbio e desposaria Peribéia, reis de Corinto e únicos pais que ele conhecia.
Assim pensando, Edipo decide que não voltaria mais para Corinto, porquanto, agindo desse modo, a funesta profecia não se realizaria. Iria, pois, para a cidade de Tebas onde não poria em risco pessoas que lhe eram tão caras. Resolvido, pôs-se a caminho. Numa encruzilhada em Dauris, perto de Tebas, em um lugar onde a estrada se tornava muito estreita, viu um carro que vinha na sua direção. Como a estrada não comportasse um carro e um pedestre, o cocheiro parou e disse a Édipo que saísse de sua frente para que o carro pudesse passar. Édipo recusou-se a fazer o que lhe era pedido. Um velho que acompanhava o cocheiro (e que outro não era senão Laio) interferiu. Edipo trocou com ele palavras ásperas e o ancião, descendo do carro, tentou agredi-lo sendo morto pelo jovem. Vendo o rei sucumbir, os que o acompanhavam fugiram apressadamente.
Édipo prosseguiu sua viagem até que chegou às portas de Tebas. Exatamente ali ficava a Esfinge, um monstro com corpo de leão, asas de águia e cabeça humana que a deusa Hera havia enviado contra a cidade. A Esfinge costumava propor aos que passavam um enigma que, se não fosse resolvido, o monstro matava o interrogado. Assim, quando Édipo passou, a Esfinge cortou-lhe os passos e perguntou-lhe: "Qual o animal que, ao alvorecer, anda com quatro pés, ao meio-dia, com dois e, à noite, com três?" Édipo respondeu: "Esse animal é o homem que no início da vida, engatinha, na fase adulta anda sobre dois pés e na velhice, para se locomover, se utiliza de uma bengala (terceiro pé). A Esfinge, desvendada, atirou-se em um abismo e desapareceu.
            Vencedor da Esfinge, Édipo entrou na cidade sob aclamação do povo.
Creonte, irmão de Jocasta e rei interino, como prêmio pelo serviço prestado aos tebanos, deu a Édipo a mão de sua irmã, Jocasta, recentemente viúva, já que Laio havia morrido fora da cidade em circunstâncias não muito claras.
Com isso, a profecia do oráculo se cumprira por completo: Édipo matara o pai e se casara com a mãe. Esse mito demostra uma concepção de destino que os gregos antigos chamavam de moira ou destino cego. O mito de Édipo segue a fórmula: "ninguém foge ao seu destino".
Esse ponto de vista, os fatos de nossa vida, principalmente o nascimento, o casamento e a morte estão determinados por forças externas ao homem e nada, nem ninguém, pode altera-los. Em verdade, Édipo matou o pai e se casou com a mãe no dia de seu nascimento, a concretização desses acontecimentos dependia apenas da maturidade física do herói. Por isso, tanto Laio quanto Édipo, tentaram inutilmente driblar o destino e impedir que as profecias tivessem lugar. É irônico o fato de Édipo correr na direção do destino quando imagina estar fugindo dele.
Conta uma antiga tradição que em Bassorra vivia um homem muito rico que possuía muitos escravos. Um dia, enviou um de seus escravos ao mercado para fazer algumas compras. O homem voltou desesperado e explicou ao senhor que havia visto a morte no mercado e que esta o havia olhado de um modo que gelara o seu sangue. Por certo, ela estava ali para buscá-lo. Por isso pedia a seu amo que permitisse sua partida para Bagdad a fim de evitar aquele encontro. O homem, que era bondoso, permitiu.
O escravo partiu imediatamente. O senhor, entretanto, muito impressionado com a narrativa de seu escravo, foi ao mercado e lá encontrou-se com a morte. Então, lhe
perguntou:
- Por que você veio buscar o meu escravo?
- Eu? Não. Não vim a Bassorra para isso.
-Como não! Meu escravo ficou horrorizado pelo modo como você o olhou.
- Sim. Eu estava admirada por vê-lo em Bassorra porque tenho um encontro com ele, á noite, em Bagdad.
Esse conto popular, como no caso de Édipo, reflete muito bem a fórmula grega (também comum ao mundo árabe) segundo a qual é impossível escapar ao que está decretado pelo destino. Esta concepção, rigidamente determinística, passou para a cultura popular e é expressa em frases como: Deus escreve certo por linhas tortas; casamento e mortalha no céu se talha; quem morre na véspera é peru; o que édo homem, bicho não come, quem nasceu para dez réis, não chega a vintém; o que tem de ser será e assim por diante. Esse tipo de doutrina possui um caráter limitador e conformista que nos impede de modificar a nossa vida por acreditarmos que tudo está escrito antes do nosso nascimento e que nada poderemos fazer para mudar.
Uma outra conseqüência dessa maneira de ver a vida, é o surgimento de grande número de espertalhões que vivem a explorar a ansiedade das pessoas com respeito ao futuro e passam a vender ilusões àqueles que estão dispostos a compra- las. As pessoas ansiosas com o que vai acontecer no futuro, não raro, se esquecem do presente.
Não podemos perder de vista o fato de que hoje construímos o nosso amanhã. A minha felicidade, ou infelicidade, futuras dependem do rumo que estou dando à minha vida agora. Assim, a pessoa previdente que amealhou recursos ao longo de sua vida, que fez amigos sinceros, que cuidou da saúde sendo parcimonioso na alimentação e evitando os vícios, terá, por certo, uma velhice tranqüila; mas, se foi imprevidente, perdulário, incapaz de fazer amizades e vítima de vícios, com toda a certeza terá grandes chances de acabar pobre, doente, triste e só.
O que a Doutrina Espírita tem a dizer sobre isso? Será o Espiritismo uma doutrina determinística? Ao defender a tese do livre-arbítrio, a Doutrina dos Espíritos dá um golpe profundo na concepção tradicional do destino. Édipo poderia ser ou não ser incestuoso e parricidajá que carecia de livre-arbítrio. Ele só poderia fazer o que fez e não outra coisa. Não havia alternativa.
Contudo, aqui há uma dificuldade. A DoutrinaEspírita nos fala de compromissos que assumimos no Plano Espiritual antes de nosso nascimento. Isso é verdade, mas não se trata de destino. Quando Jesus começa a sua vida pública, recruta os seus auxiliares: os apóstolos. Jesus não conversa com eles, não os convence a segui-lo nem os persuade, oferecendo vantagens, ele fez um convite e o convite dele, como no caso de Levi (Mateus), foi aceito prontamente.
Acreditamos que os apóstolos diretos de Jesus tinham, antes de encarnar, assumido um compromisso com ele, na hora de ratificar esse compromisso, eles o fizeram sem
vacilar. Tomemos, entretanto, um outro exemplo. Conta-nos os evangelhos que, um dia, umjovem muito rico aproximou-se de Jesus e lhe perguntou o que deveria fazer para alcançar o Reino dos Céus. Jesus lhe perguntou se ele seguia a lei de Moisés e os ensinamentos dos profetas e ele disse que sim. Então Jesus lhe diz:
"Dá tudo o que é teu aos pobres, segue-me e terás um tesouro no céu."

O rapaz era livre para escolher entre abrir mão de sua fortuna pessoal e seguir Jesus ou não renunciar à vida material e prosseguir fora do reino dos Céus. Ele escolheu não abrir mão de suas posses e continuar materialmente rico. 
Imaginemos, só para argumentar, que o moço nascera com a proposta de superar o apego ao dinheiro, porém, falhou na hora de dar o seu testemunho. Os apóstolos não falharam, mas ele falhou.
 Assim, como se pode ver, há uma diferença considerável entre comprometer-se com alguma coisa e estar destinado a realizá-la.
Nós somos livres para tomar as nossas decisões. Há, no Velho Testamento, uma passagem fantástica com respeito à liberdade humana. Moisés havia reencarnado para realizar 
uma profunda transformação religiosa. 
No entanto, na hora em que foi chamado por Jeová a fim de dar início a seu trabalho, tremeu.
 O Espírito do Sinai percebe a sua hesitação, sabe que precisa dele para realizar a tarefa que deve ser realizada, porém, não o obriga, convence-o a fazer o que deve, destruindo os argumentos que Moisés expõe para se desviar da rota que ele mesmo havia traçado.
Saulo de Tarso é um outro exemplo de espírito compromissado com uma tarefa importantíssima para a evolução do planeta. Ele foi o espírito escolhido para levar o 
Evangelho de Jesus aos gentios, ou seja, ao mundo não judeu. Por certo foi consultado e aceitou a missão.
Na terra, encarnado, Saulo deixou-se levar por outros interesses, mas Jesus o desperta no Caminho de Damasco. Outros exemplos como o de Santo Agostinho e Francisco de Assis, podem ser trazidos para aqui corroborando a nossa tese. Nenhum desses espíritos estava fadado - no sentido grego desta palavra - a realizar as tarefas que realizaram. 
Não estavam obrigados, a não ser pela integridade de seus caracteres, a levar a cabo o trabalho que deveriam executar.
Esta idéia é muito útil para as pessoas conscientes. Não somos determinados, por qualquer tipo de força externa, a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. 

O poeta alemão Rilke escreveu certa vez: "Já tiveram que ser repensadas muitas noções relativas ao movimento, acabará acontecendo que, aos poucos, aquilo que chamamos destino sai de dentro dos homens em vez de entrar neles."(Rilke. Cartas a um jovem Poeta).
Somos, portanto, livres para errar ou acertar e por isso, responsáveis por tudo o que nos acontece de bom ou de mau. Imprimir qualidade à sua vida é, antes de mais nada, ter consciência de sua própria liberdade e preparar-se todo o tempo para exercê-la de um modo produtivo.

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