quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Pugnas, inúteis pugnas!...


Pugnas, inúteis pugnas!...


 
A intolerância limita o direito de pensar e agir

“Só a tolerância lobriga ensinar com eficiência e conduzir com sabedoria.” M. Ribeiro[1]

Humberto de Campos[2] conta-nos a história de um livre-pensador chamado Raimundo da Anunciação, que não se furtava ao vício das discussões sem proveito definido.  Polemista contumaz transformou-se em um espinheiro vivo, atormentando a vida de todos à sua volta, mais parecendo uma pilha humana em permanente irritação contra tudo o que não se enquadrasse em sua “cartilha” pessoal.

Provocador e intolerante, não perdia oportunidade para “açoitar” as pessoas com palavras contundentes e ferinas; enxergava o mundo com a lente desfocada pela incompreensão matizada por inflamada ira.

Por mais que algum companheiro sensato lhe chamasse a atenção, não conseguia demovê-lo do ponto de vista onde se acastelara e, enquistado numa superlativa rebeldia, não se oferecia nunca o esforço de maiores exames... Nem mesmo sua mãezinha, já às portas da morte, logrou modificar o caráter ríspido do filho. Baldados foram todos os conselhos...

Finalmente, guindado pela morte, Raimundo aporta no Mundo Maior.  O Mentor Espiritual, encarregado de recebê-lo, após exame minucioso das cópias das anotações de seu “dossiê”, meneou a cabeça e comunicou-lhe que das 464.000 horas que viveu na Terra, sobraram apenas 200.000 horas que ele empregou em discussões improdutivas, porque as demais foram gastas em sono, trabalho profissional, passeios, repouso e distrações...

Nosso amigo ainda tentou argumentar uma réplica com o Benfeitor, mas, frente aos fatos apresentados, não teve alternativa senão render-se à triste evidência: perdera a oportunidade de progresso naquela reencarnação recém-finda, empregando em arengas inúteis o tempo destinado à elevação espiritual.  Por dez anos consecutivos entrou em vastas meditações da verdade e da vida, sempre auxiliado pelos bondosos Benfeitores Espirituais, findos os quais, suplicou nova experiência física na Terra. E para não falhar tão desastrosamente como antes, solicitou o seguinte dos Amigos Espirituais: “desejo ser mudo entre os meus adversários de outros tempos”.

“Muito bem – exclamou o Mentor -, é a tarefa compatível com as suas necessidades atuais. Você nascerá mudo e com ótimos ouvidos, porque, segundo sua ficha de tempo, não lhe será possível entregar-se a qualquer realização mais elevada, enquanto não permanecer em silêncio por 200.000 horas, escutando para aprender e impossibilitado de falar coisa alguma.”

Fica fácil, agora, uma dedução lógica: pelo enorme contingente de criaturas belicosas, despóticas e discutidoras que existe atualmente, pode-se, sem margem a equívocos, fazer uma previsão de uma larga safra de mudos no futuro. Mas, para evitar-se tal hecatombe eminente, Marcelo Ribeiro1, dá-nos um alerta, em uma belíssima página intitulada:

Combate intransferível

“O despotismo que cerceia a liberdade faz-se algoz de si mesmo. Em consequência, o dominador arbitrário torna-se dominado pelas paixões e circunstâncias que o envolvem... Somente a fraternidade que flui do amor bem compreendido consegue doar liberdade, ensejando um clima de respeito e compreensão que promove o progresso entre os homens.

A intolerância que impõe códigos de comportamento e limita o direito de pensar e agir comete desmandos e exageros, sendo vencida por força equivalente na justa das ambições desmedidas.

Apenas a solidariedade, mediante o auxílio mútuo, constrói valores de excelente qualidade, que fomentam o enriquecimento moral e social, propiciando paz.

O Sol brilha para todos. Tudo e todos têm direito à vida.

O que pode ser muito bom para uns, quiçá não seja o melhor para outros.

É de muito bom alvitre fazer uma aferição de valores, entre o que se sabe e os outros sabem, o que se conhece e é pelos demais conhecido, o que lhe é útil e para muitos desnecessário, a fim de se ter uma ideia realista das opiniões e conceitos, coisas e pessoas.

Os homens estagiam, pelo próprio processo de evolução pessoal, em degraus e escalas específicos, sendo necessário compreendê-los onde se encontram e conforme são.

Aqueles que possuímos uma mensagem de renovação e esperança para dar, devemos, melhor do que outros, compreender que o nosso labor se baseia no perfeito equilíbrio em prol de uma divulgação lavrada na simpatia e na gentileza.

Não nos propomos combater as demais pessoas, ou as suas ideias, ou a sua forma de ser.  Antes nos candidatamos a expor os nossos temas, aqueles que nos felicitam, interessando os que nos ouvem e veem a examinar as nossas informações, optando pelo que lhes pareça melhor.

Pugnadores da verdade, sabemos que ela não se contém totalmente no nosso enfoque de como considerar a vida, reconhecendo que, talvez, a nossa, seja uma visão melhor e mais clara, de modo a resolver inúmeros problemas que aturdem a humanidade. Exercitando a verdade ampliamos a capacidade de entendê-la.

Assim considerando, recordemos que numa discussão sempre se podem encontrar três faces sobre a verdade: a de um como de outro litigante, que são sempre pessoais, e aquela que paira acima dos indivíduos: a legítima e transcendental, que examina fatores ignorados, causas desconhecidas motivadoras da ocorrência em pauta.

É urgente que estejamos conscientes da obra a realizar em nós mesmos, primeiro, como combate intransferível e imediato, a fim de irmos adiante.

O próprio Jesus, que conhecia a verdade, jamais a impôs, nunca entrou em lutas verbalistas injustificáveis, não se deteve a combater contra.

O Seu, foi o combate a favor do bem, pelo bem de todos, com amor, sem despotismo, nem intolerância, ou exigência, ensinando o amor e amando com esperança no êxito final”.

Talvez prevendo que os arraiais espiritistas não estariam livres dessas ocorrências, Allan Kardec inseriu em “O Evangelho segundo o Espiritismo” uma página de um Espírito que se deu a conhecer simplesmente por Luís[3]: “desconfiai dos que pretendem ter o monopólio da verdade!... Não, não, o Cristo não está entre esses, porquanto os que Ele envia para propagar a Sua santa Doutrina e regenerar o Seu povo serão, acima de tudo, seguindo-Lhe o exemplo, brandos e humildes de coração; os que hajam, com os conselhos e exemplos que prodigalizem, de salvar a humanidade, que corre para a perdição, serão essencialmente modestos e humildes.

Ide, portanto, meus filhos bem-amados, caminhai sem tergiversações, sem pensamentos ocultos, na rota bendita que tomastes. 

Vós que haveis bem desempenhado a tarefa que o Criador confia às suas criaturas, nada mais tendes de temer da Sua justiça”.

Conduzamos, pois, com sabedoria, ensinando com eficiência nas águas mansas da tolerância incondicional.

                                                                                                               

[1] - FRANCO, Divaldo. Terapêutica de emergência. 5. ed. Salvador: LEAL, 2002, cap. 43.

[2] - XAVIER, Francisco Cândido. Reportagens de Além-Túmulo. 5. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1974, cap. 8.

[3] - KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo. 129. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2009, cap. XXI, item 8, § 3º e seguintes.


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