segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Semeando em solo seco

Semeando em solo seco

Diálogo entre Sócrates e o Doutor Bezerra de Menezes no plano espiritual. Ambos trabalham arduamente pela renovação dos conceitos humanos segundo as recomendações de Jesus…
Com a sua incansável paciência, lá estava o luminoso Espírito, perambulando cpmo outrora por entre as consciências lúcidas da modernidade, na tarefa de influenciar os neurônios de seus pares encarnados, plantando na rica seara do pensamento as sementes do alerta para as horas do porvir próximo.
- Vejo que sua tarefa está conquistando algumas vitórias, caro Sócrates.

—    Muitas vezes assemelham-se à vitória de Pirro, amável esculápio. Caminhamos dias e dias ao lado de alguns luminosos è inspirados pensadores, seguindo-lhes o raciocínio, inquietados pelos problemas do mundo, falando-lhes do humanismo, das necessidades de justiça real, relembrando-lhes das desigualdades surgidas graças ao culto do egoísmo, tão próprio do hedonismo ancestral e, até aí, nossas intuições alcançam-lhes o âmago* do ser com razoável facilidade.
—    Que bom, excelente! Acabo de deixar o nosso Luiz em situação bem pior do que a sua, eis que ninguém lhe dá ouvidos às intuições amorosas.
—    Pode parecer que sim, mas, infelizmente, não conseguimos prosseguir nos rumos superiores. A maioria dos nossos amigos está encantada com as teses materialistas e, os poucos que se permitem viajar pelas veredas do idealismo, es barram em raciocínios tisnados pelós interesses subalternos, pelos sofismas da modernidade que lhes confundem as interpretações nobres, mesclando conclusões luminosas com o pragmatismo superficial das ansiedades do populacho. Ainda quando pareçam inclinados às meditações espirituais, logo vem à mente as leviandades do público que, na condição de leitores, em sua maioria, não buscam pensamentos como procuram coisas picantes e mundanas, nas superficialidades que vendem. Por isso, a maioria dos pensadores acaba cedendo ao cântico da sereia, migrando para o carreiro da conveniência, recusando-se a corajosa batalha do eu superior contra o ego infeliz. Temem o insucesso tanto quanto o conceito jocoso a que possam estar expostos na opinião de seus pares, caso abordassem temas que por esses fossem considerados burlescos ou ridículos, próprios de mentes inferiores ou místicas.
Contaminados pelo veneno do orgulho, aqueles que se catalogam na categoria de intelectuais que dizem tanto prezar o poder de análise, adotam conduta irracional ao se recusar estudar as leis do Espírito, clara medida de seu preconceito a assinalar sua condição miserável de ignorante que se fantasiam de sábios.
Aqueles que desejam subir nesse palco de purpurina do mundo precisam escolher se falam a língua dos maiorais para serem admitidos ou se aceitam ser exilados por não compartilhar dos mesmos gostos e prevenções.
—    E, meu amigo, o orgulho é simpático a tudo o que o lisonjeia – atalhou Bezerra, sorrindo.
—    Sempre a mesma fórmula do interesse corrompendo o ideal. Entre o medo do ridículo filosófico e o fiasco do insucesso literário ou comercial, escasseia nos pensadores a coragem de pensar com liberdade e independência. Quando lhes suscito ideias de sobrevivência, de urgência no tempo, de fim de período, imediatamente fazem associação com os assuntos atuais de caráter apocalíptico, encaminhando tais sugestões intuitivas à vala comum do religiosismo alarmista, em vez de se permitir a mínima chance de meditação sobre o tema.
Quase me fazem recordar os passeios pelo mercado de Atenas, nas horas de descanso, analisando-lhes as vitrines mentais com suas bugigangas mentirosas, expostas como teorias profundas ou preciosas. E parece que quanto mais agradam ao mercado que procura leviandades, mais se tornam dignos da atenção dos incautos. Quanto mais for a fama conquistada pelo pensador, maior o número de imitadores de suas barbaridades mentais e cultivadores das sementes deturpadas de seu pensamento.
Como os filósofos laicos se vacinam contra as coisas da alma, por vergonha ou despreparo, dediquei-me a influir sobre o pensamento dos chamados escritores médiuns, palestrantes ou oradores com tarefas de difusão de ideias, com a finalidade de cooperar com a iluminação. Certamente que são mais maleáveis do que os primeiros. No entanto, também aqui encontrei interesses mesclados. O desejo de autorrealização, a vaidade dissimulada por falsa humildade, a preocupação com a vendagem de sua produção mediúnica e o interesse de realce com que muitos oradores se exibem, mais preocupados com a própria figura ou fama do que com a mensagem de que se fizeram portadores são escolhos difíceis de vencer. Dentre esses não são poucos os que se bloqueiam quando o tema da transição lhes é colocado. Novamente o despreparo pessoal ou o receio de criar reações adversas, de não ser agradáveis ou simpáticos ao promover um questionamento dos rumos seguidos pelo movimento espírita, tudo isso impede a produção de frutos fecundos, mantendo a maioria do público na ignorância ou na ilusão de comportamentos inadequados.
Eis a marca do homem moderno iludido pela materialidade, bem representado pelo mito de Narciso, o lindo jovem que, encantado consigo mesmo, veio a afogar-se no lago cujas águas refletiam-lhe a própria beleza. E aqui estamos nós, tentando ser novamente o moscardo que zumbe nos ouvidos do Narciso hedonista e intelectualizado para retirá-lo da alienação em que vive, antes que chegue a hora de seu afogamento.
Venho encontrando mais receptividade na mente de jovens inquietos que, envolvidos pela onda de renovação que avassala o psiquismo da alma comprometida com as mudanças, sente que o velho modelo está carcomido e não é mais capaz de se sustentar por si próprio. Então, como outrora, no seio da juventude aberta para as novas fases evolutivas, descompromissada com o veneno da fama e do orgulho vaidoso, tenho conseguido os poucos sucessos inspiradores para a semeadura profícua das noções de mudança. Acompanho–lhes as discussões, renovo-lhes os argumentos, inspiro-lhes novos rumos de pesquisa e meditação para que, observando as contradições de todos os tempos, amplificadas pelas ilusões de materialismo rico de contradições, transformem a indiferença em vontade de mudanças.
Particularmente agradável me é o contato com os jovens espíritas, cuja mente modelada pelos conceitos do consolador prometido é oficina produtiva e indústria de belas ideias.
O único problema, infelizmente, é causado pelos mais velhos, aqueles dirigentes cujos neurônios enferrujaram no cérebro e que, por isso, não são sensíveis às sugestões e buscas dos mais novos. Por incrível que pareça, nossos esforços na área do esclarecimento tem encontrado obstáculos na censura dos mais antigos, cuja liderança deveria ser assinalada pelo vigor do pensamento aberto, da dialética construtiva, da avaliação neutra de todos os temas e assuntos.
A meu ver, infelizmente, alguns estão cristalizados na rotineira cantilena com a qual pensam que ganharão o céu ou algum lugar privilegiado em colônia espiritual superior se mantiverem as coisas funcionando pelos padrões do passado.
Às vezes, Bezerra, preferem sufocar a inquietação dos mais novos do que dar-lhes espaço na discussão sadia dos te mas candentes do momento. Fora tais percalços, nossa tarefa prossegue entregue aos mecanismos divinos que, com mais ou menos rigor, garantirá a cada qual a dor necessária para a construção do caminho que nos levará às futuras alegrias.
—    Essa é a nossa tarefa, meu amigo. Não desanimemos mesmo quando alguns de nossos únicos aliados, os espíritas, pareçam ser nossos principais adversários. Talvez fosse mais correto dizer que parecem os maiores inimigos de si mesmos.
—    Concordo em gênero e grau – exclamou Sócrates, sem perder a fleuma que lhe marcava a personalidade. Não é por acaso que Jesus fala a Deus nestes termos:
Graças te rendo, meu Pai, Senhor do Céu e da Terra, por haveres ocultado estas coisas aos doutos e aos prudentes e por as teres revelado aos simples e aos pequenos. (S. Mateus, cap. XI, v. 25)
Despediram-se para prosseguir na semeadura dos diversos tipos de solo, conforme a lembrança da tradicional parábola.
Livro No Final da Última Hora, cap. 16, Espírito Lúcius – psicografia de André Luiz Ruiz.

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