quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Consciência e corrigenda

Consciência  e  corrigenda
       Singular abatimento paulatinamente dominava a elegante senhora.
       Cercada pelo carinho de largo círculo de relações e comodamente instalada, a dama apresentava-se angustiada, inquieta, registrando singulares anomalias físicas e psíquicas, antes ignoradas.
       Receando agravar-se o estranho sofrimento, resolveu visitar um psiquiatra de renome, espírita que, segundo várias pessoas, realizava milagres.
       — Não sei a razão do meu atual estado — começou a consulente com desenvoltura, enunciando as síndromes várias da pertinaz aflição.
       O esculápio escutou-a com serenidade, cenho franzido, gentil.
       Após interrogações necessárias a uma anamnese completa quanto possível, esclareceu, delicado:
       — Compete-me usar de franqueza, a fim de projetar luz no seu problema. Assim, rogando-lhe desculpas, solicito igualmente, a mesma lealdade.
       — A senhora não teria abortado recentemente?
       A pergunta honesta, endereçada com algum constrangimento, surpreendeu a senhora, que retrucou:
       — Sou viúva há mais de cinco anos, doutor, e mantenho uma vida honrada, respeitando a memória de meu esposo.
       — Contudo, o seu caso me parece típico... Procure recordar-se... Andes da desencarnação do esposo... Às vezes as consequências são tardias...
       — Nunca, nunca eu me submeteria a tal. Não tive a honra de ser mãe, conquanto o desejasse ardentemente...
       — Confesso-lhe a minha estranheza, porque essa sintomatologia é de ordem espiritual, mui complexa...
       Houve um silêncio incômodo. O médico demonstrava embaraço.
       — A senhora tem religião? — Indagou.
       — Não exatamente — respondeu — Hoje sou livre-pensadora...
       — Qual a sua profissão?
       — Sou obstetra prática e, para ser-lhe franca, somente por sentimentos humanitários, para salvar moçoilas inexperientes e senhoras doidivanas, já pratiquei nelas 150 abortos, ou melhor para ser exata: 152. Tenho tudo catalogado, a caráter, com verdadeiro zelo.
       — ... Aí está a causa da sua enfermidade. Remorso inconsciente, sintonia com as suas vítimas e obsessão sendo instalada com segurança cujas consequências serão imprevisíveis... É necessário voltar-se para Deus e despertar...
       ... — Mas eu aqui venho — revidou, ofendida, a cliente, — ouvir um psiquiatra não um religioso... De religião, para mim, chega!
       E saiu, revoltada.
*
       Todos os males procedem do espírito graças aos erros praticados, que ressurgem como necessários corretivos para o despertamento dos infratores.
       Quão poucos, ainda, estão dispostos à reparação e ao enobrecimento pessoal!
       Acautela-te, portanto.
Ignotus
Obra: “Sementeira da Fraternidade” - Divaldo Pereira Franco

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